sábado, 17 de agosto de 2013

A sombra - Carlos Drummond de Andrade


À sombra doce das moças em flor, 
gosto de deitar para descansar. 
É uma sombra verde, macia, vã, 
fruto escasso à beira da mão. 
A mão não colhe... A sombra das moças 
esparramada cobre todo o chão. 

As moças sorriem fora de você. 
Dentro de você há um desejo torto 
que elas não sabem. As moças em flor 
estão rindo, dançando, flutuando no ar. 
O nome delas é uma carícia 
disfarçada. 

As moças vão casar e não é com você. 
Elas casam mesmo, inútil protestar. 
No meio da praça, no meio da roda 
há um cego querendo pegar um braço, 
todos os braços formam um laço, 
mas não se enforque nem se disperse 
em mil análises proustianas, 
meu filho. 

No meio da roda, debaixo da árvore, 
a sombra das moças penetra no cego, 
e o dia que nasce atrás das pupilas 
é vago e tranquilo como um domingo. 
E todos os sinos batem no cego 
e todos os desejos morrem na sombra, 
frutos maduros se esborrachando 
no chão. 

Carlos Drummond de Andrade
 

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