domingo, 24 de março de 2013

A VIDA NO CAMPO - António Assunção


A manhã está a nascer 
                        O galo já está a cantar 
                        Já não consigo dormir 
                        Eu vou-me já levantar


                        Toca o sino na aldeia 
                        O relogio bateu as quatro 
                        Tenho que me levantar 
                        Hoje é dia de ir ao mato


                        Espreitei pela janela 
                        Na rua já ia o José 
                        Vou acender a lareira 
                        E vou fazer o café


                        Bebo um pouco de café 
                        Como um pouco de pão 
                        Ponho a corda ao ombro 
                        E afio o meu podão


                        A manhã está bonita 
                        Canta toda a passarada 
                        Cá vou eu pelo caminho 
                        Ao som da bicharada


                        Assustei-me um bocadinho 
                        Estava a roçar o mato 
                        Olhei para o lado e vi 
                        Era o miar do meu gato


                        Ponho o molho ás costas 
                        Já eram seis e tal 
                        O galo continua a cantar 
                        Berra o gado no curral


                        Deito o mato ás cabritas 
                        Vou á poça do loureiro 
                        A água está por andada 
                        A regar sou o primeiro


                        Deito a água ao milho 
                        Também rego a horta 
                        Está um carro a apitar 
                        Tanho o peixeiro à porta


                        Vou ordinhar as cabras 
                        Vou à adega levo vinho 
                        A mulher vai fazer o queijo 
                        Eu bebo um copo de vinho


                        O sol vai alto está calor 
                        E eu aqui a pensar 
                        Tenho tanto para fazer 
                        Vou mas é descansar


António Assunção

quinta-feira, 21 de março de 2013

Novos Tempos - (Fátima Irene Pinto)



Novos Tempos

É tempo de agradecer as infinitas bênçãos recebidas e perceber o milagre da renovação acontecendo em nossas vidas, a cada ciclo que se fecha, para outro que se abre simultaneamente. É tempo de soltar todas as lembranças ruins, de uma época pautada por ásperas lutas, testes e provas, as quais superamos com êxito, amparados tão somente na nossa fé, constância e determinação.
É tempo de enaltecer os que chegaram somando forças aos nossos ideais e mesmo aqueles que chegaram para miná-los ou comprometê-los, pois estes foram também nossos mestres indiretos e, sem que percebessem, cumpriram importante papel, treinando a nossa humildade, nossa capacidade de discernir, compreender, silenciar e relevar.

É tempo de abrir os braços para o futuro e vislumbrar uma longa avenida ensolarada, como justa recompensa por todas as sementes de legítimo amor que fomos lançando ao longo da jornada, ainda que muitas vezes, em áridos torrões. É tempo de reconhecer que o mundo lá fora não mudou, mas que grandes e significativas mudanças ocorreram dentro de nós mesmos, deixando-nos mais habilitados e fortalecidos para lidar com os pequenos ou grandes revezes da vida.
É tempo de pedir perdão à Vida, pelas vezes que não soubemos compreender as suas Leis exatas e perfeitas. De perdoarmos a nós mesmos e pedirmos perdão a todos aqueles que ferimos por ignorância ou pelos ditames do egoísmo e da imaturidade, decorrentes da insignificância do nosso grau evolutivo. É tempo de crer ainda mais profundamente no amor, o verdadeiro amor aquele que redime, liberta, que tudo oferece dadivosamente, sem esperar qualquer benesse ou imediata recompensa.
É tempo enfim, de dobrarmos os joelhos em sincera oração, num ato de total abandono e confiança no Deus da nossa compreensão, que conhece os nossos desígnios, que sonda nossos corações, guia nossos passos e por fim, conduz a nossa embarcação ao seu verdadeiro e definitivo destino.
(Fátima Irene Pinto)


sábado, 16 de março de 2013

Saudades - Clarice Lispector




Saudades

Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá
como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...


Clarice Lispector

DON'T LET ME DOWN - THE HOLLIES - (1974) - SONHO

“ “ Sonho com um  amor  em que duas pessoas compartilham uma paixão de buscar juntas uma verdade mais elevada. Talvez não devesse cha...